Poucas palavras carregam tanto peso histórico, político e filosófico quanto “revolução”. Desde a tomada da Bastilha em 1789, o termo deixou de designar apenas uma mudança brusca e ganhou o estatuto de princípio organizador da modernidade. Não é exagero dizer que, desde então, o Ocidente passou a enxergar sua própria história como uma história de revoluções.
A primeira característica que surge após 1789 é a transformação da revolução em um singular coletivo: tudo parecia revolução. Assim como a noção alemã de “História” abarca todas as histórias particulares, a revolução passou a reunir em si o destino de múltiplos movimentos. Tornou-se um conceito metahistórico, um horizonte transcendental que orientava tanto o pensamento quanto a ação.
Outra marca decisiva foi a aceleração. Robespierre prometia apressar a revolução rumo à liberdade. Essa pressa ecoava antigas expectativas religiosas de salvação, mas, a partir do século XVIII, ganhou uma dimensão secular: a percepção de que o tempo histórico corria mais rápido, impulsionado por explosão demográfica, tecnologia e sucessão de regimes. O futuro parecia estar sempre chegando antes da hora.
Estado, reforma e revolução
No século XIX, até o Estado passou a ser pensado em chave revolucionária. “Contrarrevolucionário” virou sinônimo de inimigo da ordem estatal. A grande questão não era mais se o Estado poderia barrar ou fomentar revoluções, mas se a transformação viria de cima ou de baixo, por meios pacíficos ou violentos. Reforma e revolução começaram a se confundir.
Esse novo modo de viver o tempo também alterou a relação com o passado. A Revolução Francesa oferecia diferentes fases como pontos de referência. Conservadores e progressistas escolhiam os episódios que melhor sustentavam seus projetos. O que não estava em debate era a direção: a história só avançaria na via da revolução, mesmo que em ritmos distintos.
Um dos saltos mais significativos foi a passagem da revolução política para a revolução social. A queda da monarquia e a proclamação dos direitos humanos abriram espaço para uma expectativa inédita: a emancipação de todos. Os jacobinos falavam em révolution sociale, e pensadores como Babeuf já sonhavam com o fim da exploração. Marx, depois, daria forma teórica a essa fusão entre transformação política e social.
Utopia global e permanente
Logo, a revolução deixou de ser localizada para ganhar pretensão mundial e indefinida no tempo. Robespierre anunciava que metade da revolução global já estava feita; a outra metade viria. Expressões como “revolução permanente” surgiram para designar um processo sem término, reeditado nas Internacionales socialistas, no marxismo e até na experiência chinesa do século XX.
Com isso, consolidou-se a ideia de que a revolução podia ser planejada. Surgiram verbos como “revolucionar” e substantivos como “revolucionário”. Nascia a figura do militante profissional, que Lenin encarnaria décadas mais tarde. O processo histórico deixou de ser visto como espontâneo: era algo a ser conduzido e acelerado.
Por fim, a revolução passou a reivindicar para si própria a legitimidade. Se antes ela era acusada de ser ilegal ou ilegítima, depois de 1789 sua autoridade vinha do futuro, não mais da tradição. A “revolução absoluta”, como a chamou Stahl em 1848, justificava seus meios e sua continuidade pelo horizonte que prometia abrir.
E hoje?
Do século XVIII até a Guerra Fria, a revolução foi entendida como motor inevitável da história. Mas, diante de um mundo globalizado marcado por guerras civis fragmentadas, crises ambientais e tecnológicas, resta a pergunta: A revolução mundial dissolveu-se em um conceito vago, apropriado pragmaticamente por diferentes grupos? Ou ainda pode oferecer um horizonte utópico de transformação?
A resposta talvez dependa de recuperar o espírito crítico de 1789, mas sem repetir seus erros: a aceleração cega, o dogmatismo do futuro como justificativa e a violência como via única de emancipação.
Por Judinei Vanzeto, SAC – Padre Palotino, Jornalista, Mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade Buenos Aires, Argentina.
