Todos os dias, entre o adormecer e o despertar, abre-se em mim um espaço outro: territórios imaginais onde histórias se desenrolam. Algumas eu mesmo fabrico, como quem escreve um conto deliberado; outras me chegam como filmes que alguém mais projetasse. A essas experiências dou o nome de ensueños (Sonho – no sentido literal, como experiência onírica). Nelas, acolho dores, revisito perdas, deixo que traumas e marcas das opressões encontrem um canal de expressão. São narrativas que me nutrem e, de modos que não compreendo por inteiro, me curam.
O ensueño é palavra de múltiplas faces. Pode ser fantasia ou ilusão, mas também sonho lúcido em que se guarda discernimento; pode significar desejo tornado real, ou até elogio — “és um ensueño” como quem diz: és magia. Em todos os casos, ele aponta para a possibilidade de uma realidade paralela, não inferior à da razão. Há um continuam entre sonho e vigília, onde a vida se integra à mente e a imaginação afirmar sua potência transformadora.
Nesse entre-lugar — o nepantla — as realidades se cruzam, deslocam-se, geram mudanças. As imagens que emergem não buscam “consertar” quem as abriga, mas alterar as histórias que habitam a psique. Assim, o ato criativo deixa de ser mero exercício estético e se torna agenciamento de transformação. Recriar imagens e narrativas internas é talvez a forma mais eficaz de cura.
Jung já intuía esse processo: basta começar com uma imagem, observá-la em silêncio e deixá-la se modificar espontaneamente. O diálogo com a visão altera a consciência e inaugura uma “consciência da imagem”. Como na escrita literária, a artista se deixa atravessar por essas presenças, registrando conversas entre ego e figuras internas. A imaginação, então, deixa de ser fuga: torna-se criatividade viva, território de encontro, força capaz de nutrir, sanar e gerar arte.
Por Judinei Vanzeto, SAC – Padre Palotino, Jornalista, Mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade Buenos Aires, Argentina.

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