Em O Mal-Estar na Civilização, Freud diagnosticou a contradição central da modernidade: para viver em sociedade, precisamos reprimir impulsos vitais — especialmente ligados à sexualidade — o que garante a convivência, mas também gera sofrimento. Essa tensão, segundo ele, era o preço da vida civilizada.
Mais de um século depois, muitas dessas amarras se afrouxaram. Instituições tradicionais perderam força, a disciplina rígida cedeu espaço à valorização do desejo e da realização individual. No entanto, o mal-estar não desapareceu; apenas mudou de forma. Hoje, vivemos sob a pressão constante de “ser felizes”, um ideal transformado em direito e até em dever, reforçado por redes sociais, publicidade e cultura de consumo.
A contradição é evidente: quanto mais falamos em bem-estar, mais crescem os índices de ansiedade, depressão e solidão. Multiplicam-se sintomas contemporâneos como a dependência digital, a polarização política em bolhas virtuais e a dificuldade de construir vínculos profundos em meio à avalanche de contatos superficiais.
O psicanalista brasileiro Joel Birman lembra que a crítica freudiana à civilização é, em última instância, uma crítica à modernidade. Hoje, vivemos outro dilema: a liberdade e a busca incessante pelo prazer prometem emancipação, mas também trazem novas formas de cansaço, vazio e vulnerabilidade.
Se antes o sofrimento vinha da repressão, agora nasce da exaustão: da cobrança por sermos autênticos, felizes e bem-sucedidos o tempo todo. O mal-estar continua sendo um espelho da cultura — só que, agora, refletindo uma sociedade acelerada, hiperconectada e, paradoxalmente, mais solitária.
Por Judinei Vanzeto, SAC – Padre Palotino, Jornalista, Mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade Buenos Aires, Argentina.
