Colunista

Revolução: Sentidos e Transformações

A palavra “revolução” é uma das mais marcantes do vocabulário político e social da modernidade. Para o historiador Reinhart Koselleck (1993), trata-se de um termo carregado de força simbólica e histórica, que atravessa os séculos como um conceito dinâmico, cujos significados foram ressignificados a partir da transição do mundo medieval para o moderno.

O termo “revolução” (do latim revolutio) designava um movimento de retorno, como o das esferas celestes. Foi apenas no século XVII que o termo começou a adquirir um sentido político, especialmente com a chamada Revolução Gloriosa (1688), na Inglaterra. Contudo, é no século XVIII que o termo ganha sua carga moderna e transformadora com a Revolução Francesa (1789), marco inaugural do uso contemporâneo do conceito: a ruptura radical com a ordem anterior em nome de novos ideais — liberdade, igualdade, fraternidade.

Foi nesse contexto que a Igreja Católica enfrentou um de seus maiores desafios históricos. A Revolução Francesa foi abertamente anticlerical em muitos de seus momentos, promovendo a secularização do Estado, a confiscação de bens eclesiásticos e a perseguição a padres e religiosos. O clero foi dividido entre os que juraram fidelidade à nova Constituição Civil do Clero e os que permaneceram fiéis a Roma. O Papa Pio VI condenou duramente os excessos da revolução, e, durante o Diretório e o Império, as relações entre a França revolucionária e o papado foram marcadas por tensão, culminando na prisão do próprio papa por ordem de Napoleão.

A partir daí a Igreja passou a associar o termo “revolução” a desordem, ruptura da ordem natural e ataque à fé. Essa visão permaneceu forte ao longo do século XIX, sendo reafirmada em documentos como a encíclica Quanta Cura (1864) e o Sílabo dos Erros, no qual o Papa Pio IX condena o liberalismo, o socialismo e a ideia de que a Igreja deveria submeter-se ao Estado.

 

Liberdade e ruptura

Na filosofia, a revolução aparece como tema central nas reflexões sobre o progresso, a história e a liberdade. O filósofo Kant via nela o despertar do espírito de autonomia; Hegel, um passo no processo dialético da liberdade.

Com a encíclica Rerum Novarum (1891) de Leão XIII, a Igreja inaugurou a Doutrina Social, buscando responder às mudanças sociais e econômicas trazidas pela Revolução Industrial. Ao longo do século XX, documentos como Populorum Progressio (Paulo VI), Laborem Exercens e Centesimus Annus (João Paulo II) expressaram a preocupação da Igreja com a justiça social, o papel do trabalho e a dignidade da pessoa humana — sem, no entanto, aderir a ideologias revolucionárias radicais.

Para a teologia católica, porém, especialmente até meados do século XX, a revolução era vista com grande cautela, por representar uma quebra com a ordem natural e divina. No entanto, a partir do Concílio Vaticano II (1962–1965), há uma mudança de perspectiva: a Igreja começa a reconhecer as legítimas aspirações dos povos por justiça social e liberdade, especialmente nos contextos de opressão.

Teólogos como Karl Rahner, Yves Congar e, posteriormente, pensadores da Teologia da Libertação na América Latina, como Gustavo Gutiérrez, passaram a interpretar certos movimentos de transformação como expressões legítimas do Evangelho, desde que promovam a dignidade humana e os direitos dos pobres. Nesse sentido, a Igreja passou a distinguir entre revoluções violentas e processos de transformação inspirados pela justiça e pela caridade.

A sociologia vê a revolução como processo de transformação estrutural. Marx a considerava motor da história. A Igreja, por sua vez, passou a se posicionar de maneira mais equilibrada diante dessas questões a partir do século XX.

 

Discernimento cristão

Ao longo do tempo, o termo “revolução” deixou de ser apenas um evento político radical e passou a significar transformação social, cultural e até espiritual. A Igreja Católica, inicialmente resistente, mas aprendeu a discernir entre rupturas destrutivas e mudanças inspiradas pela busca do bem comum.

Atualmente, a Igreja propõe um olhar sinodal de discernimento, capaz de dialogar com os anseios de justiça que movem as transformações da modernidade, sem perder sua fidelidade ao Evangelho e à dignidade humana.

 Por Judinei Vanzeto, SAC – Padre Palotino, Jornalista, Mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade Buenos Aires, Argentina.

1 Comment

  • Neli Maria Piana agosto 26, 2025

    Relembra muito as disciplinas História da Igreja Moderna e Contemporânea, DSI.
    Padre Judinei Vanzetto,suas palavras esclaredoras enriquecem muito o aprendizado desta mera leitora.

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